quinta-feira, 29 de julho de 2010

A epístola de Paulo aos Filipenses

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objeto o estudo realizado a respeito da Epístola de Paulo aos Filipenses, observando o método de pesquisa bibliográfica. Trata-se de uma primeira aproximação que, certamente, instigará a um estudo futuro mais aprofundado, que desde logo pretende fomentar uma compreensão inicial, além de uma contínua reflexão sobre a mensagem do apóstolo.
Com o objetivo de melhor compreender a mensagem paulina neste livro bíblico, o trabalho encontra-se dividido em três partes principais. A primeira parte destina-se à análise literária do livro, buscando identificar a sua autoria, a data e o local da escrita, assim como os destinatários da carta. Na segunda parte, pretende-se investigar o contexto histórico de Filipos e, no período da carta, o respectivo contexto social, econômico, político, cultural e religioso da comunidade daquela cidade. Finalmente, na terceira e última parte, o estudo busca identificar três temas teológicos que podem ser encontrados no livro de Filipenses.
Ao final, serão mencionadas as principais conclusões resultantes desta pesquisa, alcançadas com base nas informações coletadas e analisadas.

1. ANÁLISE LITERÁRIA

1.1. AUTORIA DO LIVRO

Como será evidenciado neste trabalho, os doutrinadores divergem se a Epístola de Paulo aos Filipenses foi integralmente escrita por Paulo. Ainda, há divergências se a epístola refere-se a uma única carta ou a um conjunto de cartas posteriormente compiladas por uma terceira pessoa. Martin (1985, p. 23) refere-se a estas duas problemáticas utilizando as epígrafes autenticidade e integridade da carta, respectivamente.

A autenticidade da carta

Comblin (1985, p.24) escreve que “na antiguidade, as cartas começam sempre pelo nome do autor, o nome do destinatário e uma breve fórmula de benção”. Nas suas cartas, Paulo sempre diz seu nome, sendo que em oito vezes associa outro nome ao seu, e em cinco vezes este outro nome é o de Timóteo, conforme Comblin. De fato, em Filipenses 1.1 constam como remetentes da carta Paulo e Timóteo, servos ou escravos de Cristo Jesus. Comblin refere que apesar de Timóteo aparecer como co-autor da carta, esta segue escrita na primeira pessoa, como por exemplo, “dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vós” (Fl 1:3). Segundo o mesmo autor, Paulo compreendia o trabalho missionário como trabalho de equipe e possivelmente queria dar mais prestígio a Timóteo e associá-lo ao seu ministério. Sob este aspecto, portanto, a carta teria sido escrita por Paulo. Apenas formalmente Timóteo foi indicado por Paulo como co-autor da carta.
Não obstante a informação sobre a autoria da epístola contida em Filipenses 1.1, alguns autores identificam na carta alguns fragmentos que podem não ter sido escritos por Paulo. Estes fragmentos seriam, por exemplo, o hino cristológico em Filipenses 2:6-11, e algumas doxologias.
Martin (op. cit., p. 23) evidencia a posição de alguns autores de que Filipenses 2:6-11 seria “um hino pré-paulino, que Paulo tomou e incorporou à sua carta”. Quanto à mesma passagem do livro bíblico, Comblin (op. cit., p. 39)[1] refere-se a diversas possibilidades, segundo as quais alguns compreendem o hino como litúrgico, outros que o hino foi escrito pelo próprio Paulo antes das cartas, outros entendem que o hino foi escrito por outros autores, outros sustentam que Paulo alterou um texto primitivo que podia estar escrito em aramaico, e outros entendem que este hino já estava escrito antes de Jesus Cristo e que foi aplicado a Ele pelos cristãos. Entretanto, diante das diversas alusões a temas bíblicos, Comblin ressalta que quase há acordo de que o texto tenha sido escrito por cristãos.
As doxologias encontram-se em Filipenses 4:20 (“Ora, a nosso Deus e Pai seja a glória pelos séculos dos séculos, Amém!”) e em 4:23 (“A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito”). Doxologia refere-se a uma fórmula literária que expressa louvor e adoração, tal como se observa nos exemplos mencionados, que concluem a carta. De acordo com Martin (op. cit., p. 19), alguns eruditos entendem que as doxologias mencionadas foram incluídas no texto da carta pelo último editor, que uniu os fragmentos espalhados, como sua marca pessoal. Esta teoria compreende, como se verá no próximo subtítulo, que um último editor reuniu mais de uma carta de Paulo dando-lhe a unidade que se encontra presente atualmente no cânon.
Martin (op. cit., p. 24) conclui que “a maior parte dos intérpretes, mesmo aqueles que julgam ser 3:1-4:1 um fragmento interpolado, acreditam que a carta é paulina”. Acrescenta, ainda, que “o Carmen Christi de 2:6-11 pode perfeitamente ser anterior a Paulo, que o teria tomado, e possivelmente editado, com inclusão na carta.”
Deste modo, verifica-se, que a doutrina dominante compreende que a Epístola de Paulo aos Filipenses foi escrita pelo próprio Paulo.

A integridade da carta

Neste ponto, o estudo versa sobre a problemática da Epístola aos Filipenses tratar-se de uma unidade ou de uma compilação de mais de um texto paulino, diante do questionamento levantado por alguns eruditos (Martin, op. cit., p. 23).
Martin (op. cit., pp. 24-27) relaciona evidências externas e internas que procuram demonstrar ora a unidade da carta, ora a sua natureza fragmentária. As evidências externas seriam elementos diversos da própria carta, enquanto as evidências internas estariam na própria carta. A primeira evidência externa seria a carta escrita por volta do ano 135 por Policarpo, bispo-mártir de Esmirna, onde consta que Paulo teria escrito cartas (plural, conforme a palavra grega epistolai) aos Filipenses. A outra evidência externa compreenderia dados que se tornaram disponíveis mais tarde, sobre a escrita de mais de uma carta aos Filipenses por Paulo. Martin, no entanto, entende que a prova da natureza fragmentária da carta deve ser buscada nas evidências internas. Estas se encontram em dois pontos principais da carta. No primeiro ponto, verifica-se uma modificação repentina do assunto, do estilo e do tom utilizado partir de Filipenses 3:1b e que segue até 4:1, onde o autor encerra com “sua reiterada chamada a permanecerem firmes no Senhor, contra qualquer perigo proveniente de mestres heréticos” (op. cit. p. 27). O segundo ponto é a nota de agradecimento de Filipenses 4:10-20, que se encontra deslocado do contexto e que poderia corresponder a um fragmento escrito anteriormente e incluso na carta principal. Martin faz um estudado aprofundado sobre as teorias que defende ora a unidade da carta ora sua natureza fragmentária, não sendo possível esmiuçá-las neste momento dentro da limitação a que se submete esta pesquisa.
Sobre o mesmo tema, Comblin (op. cit., p.8) refere que a atual Epístola aos Filipenses é, segundo a maioria dos comentaristas, uma compilação de três cartas distintas escritas por Paulo, posteriormente reunidas para facilitar a sua conservação e a comunicação. Por esta hipótese, as cartas originais se perderam e as cópias sucessivas passaram a ser feitas com base na epístola única, reunidas por um último editor. A hipótese se sustenta no próprio texto da epístola e na carta de Policarpo escrita no início do século II. Realmente, verifica-se uma ruptura a partir de Filipenses 3:2 quanto ao assunto e quanto ao tom suave e alegre utilizado até então, revelando que os textos podem ter sido escritos em circunstâncias diferentes. Ainda, Filipenses 4:10-20 constituiria um terceiro escrito, nomeadamente um bilhete de agradecimento fora do contexto temporal e lógico do texto imediatamente antecedente.
Nestes termos, Comblin (op. cit., p. 10-13) adota a hipótese das três cartas, divididas e mencionadas na correspondente ordem cronológica como carta A (Fl 4:10-20), carta B (Fl 1:1-3:1a, 4:2-7 e 4:21-23) e carta C (Fl 3:1b-4:1 e 4:8-9). A carta A corresponderia ao agradecimento à igreja de Filipos pela ajuda enviada por intermédio de Epafrodito enquanto Paulo estava preso. A carta B também foi escrita enquanto Paulo estava preso, acreditando alguns que ele previa uma morte iminente, enquanto outros, inclusive Comblin (op. cit., p. 11), entendem que Paulo confiava em uma libertação próxima com base em Filipenses 1:25-26. Em prol desta hipótese, o texto parece ser uma apologia contra adversários que criticavam Paulo pela escolha de viver para continuar evangelizando (Fl 1:22-24), ao invés de morrer como mártir, escolha esta possivelmente decorrente da invocação da sua condição de cidadão romano. A carta C já não fala mais de prisão, revelando que Paulo podia estar livre, mas preocupado com a ameaça da tranqüilidade da comunidade de Filipos por adversários (pela comparação com Gálatas e 2 Coríntios) possivelmente constituídos por missionários judeu-cristãos que pregavam uma visão “triunfalista” de Cristo centrada no valor das obras e milagres, ao invés da mensagem paulina centrada na cruz.
O estudo do contexto em que a carta ou os fragmentos da carta foram escritos torna-se importante para melhor compreender a mensagem de Paulo aos Filipenses. O estudo do contexto também demanda uma análise da data e do local em que a mensagem foi escrita.

1.2. DATA E LOCAL DA ESCRITA

De acordo com Comblin (op. cit., p. 13), as três cartas foram escritas com uma diferença de poucos meses, dentro de um período máximo de um ano. A data em que foram escritas depende do lugar onde estava Paulo preso. A dificuldade é que Paulo esteve preso muitas vezes, nem todas mencionadas expressamente no livro de Atos (Rm 16:7, 2 Cor 6:5; 11:23). Quanto ao local da prisão, Comblin (op. cit., p. 14) refere a idéia de que Paulo escreveu as cartas enquanto esteve preso em Éfeso, considerando que Roma e Cesaréia estavam muito distantes da cidade de Filipos ao tempo em que a Epístola menciona várias viagens entre a cidade da prisão e a cidade de Filipos. Para estabelecer a data da escrita, pode-se perquirir que, se a mencionada prisão de Paulo ocorreu em Roma, a Epístola foi escrita depois do ano 60. Se, sob outra vertente, foi escrita em Éfeso, ela pode ter sido escrita entre o fim de 52 e o início de 55, ou entre o fim de 54 e o início de 57, conforme a cronologia paulina que se adote.
Walker (2006, p. 40), igualmente, escreve que “quando de seu retorno a Éfeso, ele começou um ministério ali de alguns anos de duração (53?-56?) – um ministério que produziu sua correspondência com os coríntios e também, com toda probabilidade, suas cartas aos Gálatas, aos Filipenses e a Filemom.”
Martin (op. cit., pp. 49ss.), por sua vez, leciona que tradicionalmente a escrita da carta está associada ao tempo do cativeiro de Paulo em Roma (At 28:16-30), ressaltando que alguns autores, como Lightfoot, sustentam que a carta foi escrita no início do período de dois anos de prisão, diante da afinidade lingüística de Filipenses com Romanos, e da grande diferença com as cartas para os Colossenses e os Efésios. O estudo de Martin, no entanto, relaciona correntes doutrinárias que defendem que a Epístola tenha sido escrita em outros locais e, consequentemente, em outras datas, mencionando, como hipóteses as cidades de Corinto, Cesaréia e Éfeso, todas analisadas criticamente, com diversos pontos fracos e tantos outros pontos fortes.
Enfim, Martin (op. cit., p. 69) conclui que há um impasse quanto à data e a origem da carta, citando Dibelius que defende a dificuldade de se chegar a uma solução definitiva deste problema.

1.3. DESTINATÁRIO DO LIVRO

Filipenses 1.1 revela que a Epístola de Paulo é endereçada a todos os santos em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos. Conforme Comblin (op. cit., p. 24), os destinatários do livro seriam a igreja ou os santos, ou seja, a todos os membros da comunidade, uma vez que “o título de santos não exprime uma perfeição moral excepcional, e sim a pertença à comunidade cristã”. Ainda, o autor ressalta que os títulos originais dos dirigentes bíblicos da igreja contidos no texto eram epíscopos (guardião, inspetor) e diáconos (servidor), títulos civis e não religiosos relacionados às pessoas que dirigiam e exerciam autoridade na comunidade. À época, não havia bispos na igreja, pelo que epíscopo não poderia ser traduzido como bispo.
A Epístola de Paulo aos Filipenses revela a grande afeição do autor por aquela igreja. Martin (op. cit., p. 25) ressalta que Paulo havia escrito várias vezes aos Filipenses, “visto sabermos do caloroso afeto que Paulo sentia por esta igreja; e há registro da alta estima que ele nutria pelos filipenses, no mesmo Policarpo.” Dentro deste contexto de amizade entre Paulo e a igreja local, Comblin (op. cit., p. 7) relata que Paulo visitou Filipos cerca de 3 vezes. A primeira vez, em uma data não exata entre os anos 49 e 52, está descrita em Atos 16:11-40. A segunda oportunidade é mencionada em Atos 20:1-4 e em 2 Coríntios 7:5, e teria ocorrido por volta do outono de 57. A última rápida visita pode ter ocorrido próximo à Páscoa de 58, quando da viagem para Jerusalém narrada em Atos 20.6.
O sentimento de Paulo pela igreja de Filipos justifica a escrita da epístola, e deve ser considerado para melhor compreensão da mensagem. Comblin (op. cit., p. 15-18) refere que Paulo estava preocupado com a possibilidade dos filipenses serem perturbados por falsos pregadores vindos de outra região que pregavam um evangelho falso. Neste sentido, para a melhor compreensão da mensagem, também importa que se estude o contexto histórico de Filipos.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DE FILIPOS

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO, SOCIAL E ECONÔMICO

Quanto à origem histórica, Martin (op. cit., p. 16) ensina que antigamente Filipos era apenas um lugarejo chamado Crenides[2]. Martin (op. cit., p.16) e Proença (2001, p. 15) lecionam que no quarto século a.C. o rei Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre Magno, tomou o lugar dos tracianos e ali construiu uma cidade fortificada, cujo nome lhe foi dado em homenagem ao seu fundador. Sobre a sequência da história de Filipos, são importantes as palavras de Proença (op. cit. P. 15):
“Nela o rei estabeleceu uma guarnição do seu exército, fazendo da mesma uma fortaleza militar para proteger algumas minas de ouro e guardar a importante via Inácia, estrada que ligava o Oriente ao Ocidente. Filipos tornou-se uma das mais importantes cidades da Macedônia no mundo antigo. No ano 169 a.C. em Pidna, Paulo Emílio derrota Perseu, rei da Macedônia, tornando-a então província romana. Mas Filipos, que fazia parte do primeiro dos quatro distritos que a compunham (At 16.12), continuou sendo uma importante cidade de revezamento na via Inácia. Em 42 a.C., esta cidade foi palco de uma importante batalha, em que Antônio e Otaviano derrotaram Brutus e Cássio, assassinos de Júlio César. Segundo Simon Légasse (1984, p. 7), ‘mal obtida a vitória, Antônio instalou ali uma poderosa guarnição militar, transformando-a em colônia’. Em 31 a.C., o imperador Otaviano deu a ela o nome de ‘Colônia Augusta Júlia Philippensis’”.
Lucas escreveu em Atos 16:12 que Filipos era “cidade da Macedônia, primeira do distrito e colônia”. Martin (op. cit., p. 16) esclarece que a província romana da Macedônia era dividida em quatro regiones ou subprovíncias, e que cada subprovíncia tinha uma primeira cidade. Neste caso, a primeira cidade da subprovíncia onde se localizava Filipos era Tessalônica. Por isto, Martim sugere que a melhor tradução da descrição de Lucas seria “uma importante cidade do distrito da Macedônia” ou uma cidade do “primeiro distrito da Macedônia”, e que a informação mais importante refere-se à condição filipense de colônia romana.
Também neste sentido, Comblin (op. cit., p. 7) descreve Filipos como um centro urbano comercial e militar de certa relevância da Macedônia, situado em uma estrada muito trafegada que ligava a Itália com a Ásia e era conhecida como Via Egnatia. A cidade tinha certos privilégios enquanto colônia romana, para onde eram designados os soldados romanos aposentados. Também viviam na cidade pessoas procedentes de todo o império, além da população autóctone.
Sobre a localização geográfica, é relevante evidenciar que além da importante estrada mencionada, a cidade ficava próxima do porto de Neápolis, atual Kavalla. Esta circunstância devia atrair o interesse pessoal e comercial de muitas pessoas procedentes de outras regiões do império.
No aspecto social, importante evidência da relevante participação das mulheres na sociedade filipense encontra-se em Atos 16:13-15. Com efeito, as mulheres estavam presentes no local de adoração junto ao rio. Porque Paulo – e os que com ele viajavam – falou às mulheres, faz parecer que homens não se faziam presentes. Lídia, que era temente a Deus, ouviu o que Paulo dizia, se converteu, foi batizada, e ofereceu sua própria casa para abrigar os que traziam a boa nova. Portanto, a presença das mulheres no lugar de adoração, e a iniciativa de Lídia, demonstram que as mulheres tinham alguma liderança naquela sociedade. Em Filipenses 4:2-3, também se vê que Evódia e Síntique eram mulheres que, juntas, se esforçaram com Paulo no evangelho, demonstrando a importância da atuação feminina em Filipos. Em que pese a aparente rivalidade, tratavam-se certamente de líderes da igreja local.
Em relação ao aspecto econômico, Comblin (op. cit., p. 20) refere que os filipenses eram pobres, mas não eram radicalmente miseráveis, na medida em que puderam pagar a viagem de Epafrodito e mandar ajuda econômica a Paulo. Também para Proença (op. cit., p. 17), as atitudes filipenses verificadas em 2 Coríntios 9:2-4 e Filipenses 4:16 “demonstram que mesmo não possuindo grande abastança, os filipenses eram solidários e ajudavam frequentemente aos necessitados.” Proença (op. cit., p. 18) ressalta, no entanto, a melhor situação financeira de algumas pessoas, especialmente Lídia que era comerciante de um produto de grande valor (púrpura), e o carcereiro convertido da cidade que, como empregado público, devia receber um salário razoável.

2.2. CONTEXTO POLÍTICO

Conforme mencionado, Filipos era uma colônia romana e isto lhe gerava alguns benefícios. Dentre estes, incluía-se “a aplicação da lei romana aos negócios locais e, às vezes, isenção de tributos e impostos”, assim como o privilégio do ius italicum (Martin, op. cit., p. 17). Este último direito, segundo o mesmo autor, importava em uma ficção legal pela qual os colonizadores tinham a posição legal, integral, como se estivessem em solo italiano, no que diz respeito “a propriedade, transferência de terra, pagamento de impostos, administração local, e leis”, o que também explicava a presença de oficiais romanos na cidade (como em At 16:22 e 35).
Bruce (1992, p.12) retrata que as colônias romanas eram constituídas seguindo o modelo de Roma (“cidade-mãe”), e possuíam um colegiado de dois magistrados conhecidos como duo uiri (ou duumuiri iuri dicundo que significava “dois homens que administram a justiça”), que na prática preferiam a denominação de pretores, e que eram auxiliados pelos lictores.

2.3. CONTEXTO CULTURAL E RELIGIOSO

Martin (op. cit., p. 19) descreve que o “clima religioso de Filipos era o de sincretismo”, mencionando adoração a deuses gregos, romanos e da religião indígena (traciana) oriunda da região. Os tracianos eram devotos de Artemis (a quem chamavam Bendis) e de Martes (que chamavam Mindrito). Outros deuses mencionados pelo autor são Silvano, Ísis, Serápis, Apolo, Asclépio, Mén e Cibele, além do imperador romano deificado da religião imperial.
Também Proença (op. cit., p. 16) ressalta o sincretismo religioso de Filipos, lecionando que “pelo fato de possuir uma população heterogênea, os cultos eram diversos: culto imperial, cultos indígenas (trácios), gregos, itálicos, anatólios, sírios, egípcios, dentre outros. Também estava presente ali um pequeno núcleo judeu, que, com seu monoteísmo estrito, desempenhava modesto papel”.
Segundo Proença (op. cit., p. 16), o surgimento da comunidade cristã de Filipos ocorreu por volta dos anos 49 e 52, quando Paulo e Silas chegaram à cidade durante a segunda viagem missionária. A conversão de Lídia e do carcereiro, com suas respectivas famílias, constituiu os “primeiros frutos da evangelização feita por estes dois missionários em solo europeu”.
Bruce (op. cit., p. 15) relata que “não havia uma comunidade judaica suficientemente grande para estabelecer-se uma congregação regular na sinagoga (para isso o quórum seria dez homens)”. Um lugar informal de reuniões seria fora da cidade, às margens do rio Gangites, local onde Paulo encontrou Lídia, negociante de púrpura.
Ao tempo em que Paulo escrevia a carta, ou as cartas, apresentam-se evidências internas de que adversários ameaçavam a igreja de Filipos. Paulo menciona tais inimigos em Filipenses 1:28, e igualmente em Filipenses 3:2 e 3:18-19. Para Martin (op. cit., p. 36), os adversários do capítulo 1 não são os mesmos inimigos do capítulo 3, sendo aqueles muito provavelmente oriundos do mundo pagão, enquanto estes eram crentes mal orientados que pervertiam a mensagem cristã. Em verdade, Martin (op. cit., pp. 36-42) evidencia uma grande controvérsia sobre a identidade dos adversários mencionados no capítulo 3, não existindo consenso se os “cães”, os “maus obreiros” e a “falsa circuncisão” de 3:2 corresponderiam aos mesmos inimigos da cruz de 3:18-19. Para o autor, no entanto, “parece claro o caráter judaico dos agitadores” (op. cit. p. 42), referindo que estudos recentes “demonstraram a extrema plausibilidade de que tais homens eram personagens carismáticas, que se vangloriavam de suas proezas espirituais e aspecto senhorial, que alegavam exibir o poder transcendental do Cristo exaltado, em suas vidas e serviço.”

3. PRINCIPAIS TEMAS TEOLÓGICOS E OBJETIVOS DO LIVRO

3.1. O EVANGELHO DA CRUZ

Para Proença (op. cit., p. 20), o hino cristológico contido em Filipenses 2:5-11 “exprime e traduz o conteúdo teológico da fé cristã”. Cristo que morreu na cruz, e ressuscitou, é o único senhor, encontrando-se acima de todos os poderes do mundo. O autor explica que Paulo tinha adversários em Filipos, possivelmente missionários judeu-cristãos, que percorriam as comunidades buscando manter parte do sistema judaico e, assim, destruindo o sentido “total e absoluto da salvação por meio da graça em Jesus Cristo”. Paulo se refere a estes cristãos judaizantes como inimigos da cruz de Cristo (Fp 3:18), como aqueles que só se preocupam com as coisas terrenas (Fp. 3:19).
A respeito do hino, Bruce (op. cit., p. 77) explica que “consiste numa declaração da obra salvífica de Deus, em Cristo, em sua auto-humilhação seguida de exaltação”. De fato, o hino se refere a Cristo que se esvaziou e assumiu a forma de servo, se humilhou e foi obediente até a morte de cruz, mas que foi exaltado por Deus para ser adorado e reconhecido por todos como senhor, para a glória de Deus Pai.
Comblin (op. cit., p. 18) ressalta que “o hino cristológico de 2,6.11 exprime exatamente o conteúdo do evangelho. Por isso, o lugar que ocupa na epístola é realmente central. Paulo achou neste hino a melhor expressão condensada do evangelho”. Jesus Cristo escolheu o caminho do cruz, e todos os seus verdadeiros apóstolos devem fazer o mesmo. Cristo dedicou sua vida ao serviço aos seres humanos, abandonando qualquer apoio, poder e até mesmo qualquer dignidade humana. O autor ressalta os quatro critérios do evangelho da cruz para reconhecer a real autoridade do apóstolo: a) a cruz é o único modo de libertação, sendo errado buscar apoio em tradições religiosas, ritos, sacrifícios, obras e manifestações visíveis do poder; b) qualquer forma de poder deve ser renunciada, sendo o correto esperar apenas de Jesus Cristo; c) seguir Jesus importa em um esvaziamento pessoal, onde o combate com todas as forças do mundo deve significar a disponibilidade para sofrer perseguição, prisão e morte; d) a missão resulta em servir, e não ser servido.

3.2. O CAMINHO DA HUMILDADE

Em Filipenses 2:1-5, Paulo faz exortação à igreja para que siga a Jesus Cristo, tendo o mesmo amor, com união de alma e com o mesmo sentimento, porém, não por partidarismo ou vanglória. O verdadeiro cristão deve manter a humildade, considerando os outros superiores a si mesmo. O cristão também deve ter em vista o que é dos outros, deixando de pensar apenas naquelas coisas que lhe pertencem. Cristo viveu desta forma, assumindo a forma de servo. Não veio para ser servido, mas para servir. Muito na igreja esquecem-se da lição de Cristo e pensam serem maiores que os outros.
Comblin (op. cit., p. 38) refere que “os perigos que ameaçam a mensagem da cruz de Cristo podem proceder não somente da parte de fora, mas também da parte de dentro. Dentro da própria comunidade pode haver desunião porque alguns querem exaltar-se e recusam o caminho da humilhação e do esvaziamento que é o caminho de Jesus, o caminho da cruz”. Ainda, na mesma página escreve o autor: “pois a vivência do caminho da cruz não se volta somente para a verdadeira fé que salva, ela favorece também a comunhão e a fraternidade dentro da comunidade. Se alguém se exalta, destrói a comunidade. Se alguém se rebaixa, ajuda a comunidade”. Na página 39, Comblin (op. cit.) prossegue:
“trata-se de não querer ser mais importante do que os outros invocando carismas, dons espirituais, fenômenos extraordinários. Não procurar prevalecer por causa de uma suposta superioridade espiritual. Não se trata de sentimentos, mas de disposições pessoais: querer julgar, apreciar, escolher as coisas de acordo com o discernimento de Jesus, isto é, seguindo a regra do esvaziamento e da cruz. Assim chegamos ao núcleo desta epístola, a proclamação do evangelho de Jesus Cristo.”
Como bem explica Proença (op. cit., p. 28),
“é objetivo do apóstolo mostrar que não se chega à glória sem o serviço, sem a humildade e a obediência. Foi este o caminho percorrido por Cristo. E a igreja deve caminhar, segundo o apóstolo, dentro dos parâmetros de tal caminho, para que realize de maneira fidedigna a tarefa de continuação que lhe fora confiada. Assim, a igreja é ao mesmo tempo fruto e instrumento da missão de Cristo. Em síntese, Paulo deseja mostrar à igreja que o caminho que conduz à glória e à vida passa necessariamente pela cruz.”
Fatalmente, a falta de humildade dos membros da igreja promove a desunião. Porém, os ensinamentos de Cristo pregam a comunhão, sendo este o próximo tema teológico evidenciado neste trabalho.

3.3. O CAMINHO DA COMUNHÃO

Conforme bem ressalta Bruce (op. cit., p. 30), “o propósito da carta só pode ser formulado após considerar-se todo seu conteúdo”. O autor menciona alguns objetivos de Paulo contidos no próprio livro, como por exemplo: a) o agradecimento aos filipenses da oferta da qual Epafrodito havia sido portador; b) o agradecimento à igreja de Filipos da sua participação geral e constante no ministério de Paulo; c) as informações a respeito da sua situação atual, com o fim de prepará-los para a iminente visita de Timóteo e para a sua própria visita subsequentemente; d) as advertências sobre os adversários da igreja. Porém, segundo Bruce, o principal propósito da epístola era evidenciar a importância do espírito de unidade entre os cristãos, concluindo que:
O exemplo de Cristo deveria inspirar seus seguidores no sentido de colocar os interesses dos outros diante de seus próprios interesses, e serem marcados pelo espírito de autonegação e auto-sacrifício espontâneo. Se aprendessem essa lição, não apenas transbordariam o cálice de Paulo com alegria mas também seriam liberados de tensões internas e seriam capazes de, juntos com Paulo, regozijar-se no Senhor.
Em Filipos, a bíblia menciona um exemplo específico de uma possível contenda pessoal que poderia acabar com a comunhão da igreja. Em Filipenses 4:2, Paulo rogou especificamente a Evódia e Síntique que pensem concordemente, no Senhor. Estas duas mulheres trabalharam juntas, se esforçando com Paulo no evangelho, mas pareciam estar subsequentemente discordando em suas posições. A discórdia devia, então, ser resolvida com humildade, para manter a comunhão da igreja. A concordância, no pensamento, deve ter como fundamento o Senhor, e jamais interesses pessoais fundamentados muitas vezes na própria vaidade.
Assim que, em Filipenses 1:27-30, Paulo prega a unicidade cristã na luta, de modo que o cristão esteja firme em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica.

CONCLUSÃO

A grande maioria dos doutrinadores conclui que a carta aos Filipenses do atual cânon foi escrita por Paulo. Ainda que o Carmen Christi tenha sido escrito anteriormente, por cristãos, acredita-se que o hino tenha sido aproveitado e incluído por Paulo na referida carta. A co-autoria de Timóteo é meramente formal, resultando talvez, do prestígio que Paulo queria dar a ele, associando-o ao seu ministério.
Há muitas teorias a respeito da unidade e da natureza fragmentária da carta sob estudo. Entretanto, parece que a realidade não poderá ser confirmada, já que a maioria das teorias compreende suposições ou interpretações baseadas em evidências. Trata-se de mero raciocínio humano, que busca ligar tais evidências entre si. Seja como for, importa para a atual comunidade cristã a fé de que este livro bíblico foi escrito mediante inspiração e intervenção do Espírito Santo.
Também há incertezas quanto à data e ao local da escrita da carta, o que depende da localidade onde Paulo esteve preso enquanto a escreveu. Trata-se também de um questionamento de difícil solução, porque muitas são as hipóteses, sendo que nenhuma pode ser efetivamente comprovada, senão por presunções e interpretações sempre sujeitas a outros questionamentos.
A maioria dos estudos revela que a carta foi escrita aos Filipenses, sendo certo que as lições de Paulo contidas na epístola podem ser contextualizadas para orientação da vida cristã dos dias atuais.
Filipos era uma importante cidade da Macedônia, especialmente em razão de sua condição de colônia romana e de sua posição geográfica na Via Egnatia, próximo ao porto de Neápolis (atual Kavalla). Em Filipos viviam muitos soldados aposentados e pessoas procedentes de todo o império, além da população autóctone.
As mulheres pareciam exercer importantes papéis na liderança da comunidade religiosa local. Em que pese se trate de uma comunidade pobre, mas não radicalmente miserável, era uma comunidade solidária e composta por algumas pessoas de melhor condição financeira, como Lídia e o carcereiro.
No campo político, havia certos privilégios civis aos residentes de Filipos, em razão de sua condição de colônia romana. Sua organização seguia o modelo de Roma, possuindo magistrados que preferiam a denominação de pretores.
No aspecto religioso, prevalecia o sincretismo, especialmente com adoração de deuses gregos, romanos e tracianos. Uma pequena comunidade judaica não era suficiente para manter uma sinagoga, sendo que um local informal de reuniões existia fora da cidade, nas margens do rio Gangites. Neste local, foi convertida Lídia, iniciando-se a igreja de Filipos. Ao tempo em que Paulo escreveu a carta, ele temia a atuação de adversários, alguns oriundos do mundo pagão e outros do mundo cristão-judeu, estes considerados por Paulo como verdadeiros inimigos da cruz de Cristo.
O primeiro tema teológico evidenciado consiste na salvação decorrente unicamente do evangelho da cruz de Cristo. Jesus Cristo que morreu na cruz, e ressuscitou, é o único Senhor, encontrando-se acima de todos os poderes do mundo. Ainda hoje, assim como em Filipos, há pessoas que se preocupam apenas com as coisas terrenas, e muitas vezes utilizam o evangelho para alcançar seus próprios interesses. Estes são verdadeiros inimigos da cruz de Cristo. O livro de Filipenses consiste em uma advertência aos atuais cristãos, para que sigam o exemplo de Jesus Cristo, para que busquem se esvaziar de si mesmos, procurem obedecer aos desígnios de Deus, e tenham uma vida de serviços à humanidade. É um equívoco buscar segurança apenas em tradições, ritos religiosos e manifestações de poder, quando o único caminho da salvação é aquele demonstrado por Cristo. Ele veio para servir, e não para ser servido.
Este primeiro tema se relaciona com outro tema teológico, que pode ser nominado como o caminho da humildade. Trata-se de um caminho que deve ser percorrido pela igreja, e especialmente pelos indivíduos que a compõem. Servir é preciso, mas não buscando reconhecimento pessoal. A igreja deve preservar a união, conservando o mesmo amor e o mesmo sentimento de Jesus Cristo, com humildade. Muito na igreja esquecem-se da lição de Cristo e pensam serem maiores que os outros. Estes pensam em si próprios, antes de pensar nos outros. Julgam-se portadores de uma superioridade espiritual imaginando que os dons espirituais lhe pertencem, olvidando que os dons pertencem ao Espírito Santo e são por Ele distribuídos com o propósito de glorificar a Deus, na pessoa de Jesus Cristo. Aquela forma de agir e de pensar causa a desunião da igreja, representando uma verdadeira ameaça à mensagem da cruz de Cristo.
Cristo propõe o caminho da comunhão, sendo este o terceiro tema teológico identificado na epístola. A concordância, nos pensamentos e idéias da comunidade e de seus líderes, deve ter como fundamento o Senhor, e jamais interesses pessoais fundamentados muitas vezes na própria vaidade. A comunhão dos membros da igreja, enquanto corpo de Cristo, permitirá que a igreja esteja mais forte para prosseguir no cumprimento da missão que lhe foi confiada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUCE, F.F. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: filipenses. Oswaldo Ramos (trad.). São Paulo: Vida, 1992.
COMBLIN, José. Epístola aos Filipenses. Petrópolis: Vozes, 1985.
MARTIN, Ralph P. Filipenses: introdução e comentário. Oswaldo Ramos (trad.). São Paulo: Vida Nova, 1985.
PROENÇA, Wander de Lara. Cruz e Ressurreição: a identidade de Jesus para os nossos dias. Londrina: Descoberta, 2001.
WALKER, Wiliston. História da Igreja Cristã. Paulo D. Siepierski (trad.), 3. ed., São Paulo: Aste, 2006.


NOTAS

[1] Segundo Comblin este hino seria dividido em quatro estrofes, esclarecendo que há outras teorias quanto ao número de estrofes do mencionado hino. Proença (2001, p. 21) refere que J. Jeremias divide o hino em três estrofes, mas prefere a divisão feita por Légasse “em duas estrofes: primeira, movimento de descida e abaixamento; segunda, movimento de subida e exaltação.”
[2] Ou Krenides, termo grego que significa “fontes” de acordo com Bruce (1992, p. 12).
Ensaio monográfico apresentado em cumprimento às exigências da disciplina de Introdução ao Novo Testamento do Curso de Bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, ministrada pelo Prof. Wander de Lara Proença.

Alguns aspectos do fim da perseguição romana sobre a igreja primitiva

INTRODUÇÃO

O grão de mostarda, quando foi semeado, era a menor de todas as sementes sobre a terra. Esta semente cresceu e se tornou uma árvore enorme, com ramos sob os quais as aves do céu puderam descansar à sua sombra. A esta metáfora se assemelha o reino de Deus, segundo Jesus Cristo (Mc 4:30-32). Esta passagem bíblica é indicada por Pardo (1977, p. 101) como prenúncio de Cristo para o crescimento da igreja cristã a partir do século II, enquanto Mateus 24:9-10 é a passagem bíblica onde Jesus previa a futura perseguição da igreja.
O crescimento da igreja e a sua perseguição pelo Império Romano são fatos históricos que se encontram intimamente ligados pela relação causa e efeito. Assim como o crescimento da igreja foi uma das causas da perseguição romana, a perseguição romana também contribuiu, sob certo aspecto, com o futuro crescimento da igreja. As principais causas e efeitos das perseguições romanas serão objeto de estudo nos dois primeiros capítulos deste trabalho.
Pardo (op. cit., p. 103) ensina que as perseguições não foram gerais e contínuas em todo o império durante o período da igreja antiga. Houve tempo em que as perseguições cessavam durante períodos mais ou menos longos. Também neste sentido, Nichols (op. cit., p. 32) refere que tudo dependia das atitudes dos imperadores e dos governos regionais, existindo muitas épocas de trégua em algumas regiões ou mesmo em todo o império.
Para Pardo (op. cit., p. 105), os períodos mais graves e críticos das perseguições ocorreram durante o império de Nero (54 a 68), Domiciano (81 a 96), Trajano (99 a 117), Adriano (117 a 138), Marco Aurélio (161-180), Sétimo Severo (193 a 219), Maximino de Tracia (235 a 238), Decio (249 a 251), Valeriano (253 a 260) e Diocleciano (284 a 305). Como se vê, há muita história neste largo período de tempo e a investigação das perseguições promovidas por todos os imperadores não permitiria uma maior profundidade do estudo. Nestes termos, opta-se como critério limitativo pela realização de um estudo versando sobre a fase final das perseguições, durante o governo do imperador Diocleciano e do imperador Constantino, dedicando-se a cada período um capítulo deste trabalho. O objetivo é fazer alguns apontamentos sobre cada período imperial, relacionando tais períodos à atitude do Império em relação ao Cristianismo. Trata-se de um importante momento histórico de transição, pelo qual o Cristianismo passou da condição de igreja perseguida para a de religio licta.
Neste percurso, percebe-se o agir de Deus na vida da humanidade. Com as perseguições, algumas pessoas apostataram. Muitas pessoas permaneceram fiéis até o fim, foram martirizadas e morreram em nome da fé cristã. O grande e poderoso Império Romano ruiu, mas a igreja continua. O ser humano nada pode por si mesmo, mas o poder de Deus é infinito e eterno. É o que se pretende demonstrar neste trabalho por meio de um olhar histórico.

1. PRINCIPAIS CAUSAS DAS PERSEGUIÇÕES ROMANAS

De uma forma geral, os autores apontam as mesmas causas para as perseguições do Império Romano contra os cristãos. Como é possível depreender da enumeração das causas persecutórias, o Império Romano estava baseado em três alicerces principais: o trabalho escravo, o exército[1] e o culto ao imperador. Os romanos entenderam que o Cristianismo poderia abalar estes três alicerces, e consequentemente passaram a perseguir os cristãos. De fato, na medida em que o número de cristãos crescia, especialmente entre escravos e soldados, a sociedade ia sofrendo conseqüências que não agradavam ao império. Muitas das atitudes cristãs tampouco eram compreendidas pelo governo e pela sociedade da época. Assim, os autores tem relacionado como principais causas das perseguições a conversão de escravos e soldados, as interferências sociais e culturais resultantes das conversões e a negativa dos cristãos de prestarem culto ao imperador e aos deuses do império.
Para Pierrard (1982, p. 29), a duração e a violência da última perseguição aos cristãos, à qual o nome de Diocleciano esteve ligada, são explicadas pela vontade imperial de unificação administrativa e religiosa, pela impossibilidade dos cristãos deixaram de prestar culto exclusivo a Cristo, e pelo papel sempre mais importante desenvolvido pelo Cristianismo na sociedade romana.

1.1. A CONVERSÃO DE ESCRAVOS E SOLDADOS

Nichols (op. cit., pp. 28-30) refere que o Cristianismo cresceu sobremaneira entre o ano 100 e o reinado de Constantino, dominando a região da Ásia Menor e outras regiões importantes da época, assim como algumas regiões mais distantes, graças ao trabalho de missionários itinerantes (Justino), apologistas (Tertuliano) e mestres (Orígenes). Os cristãos comuns também foram responsáveis pelo crescimento do Cristianismo com seus testemunhos pessoais de amor fraternal, fidelidade e coragem nas perseguições. A classe mais poderosa do Cristianismo era constituída de pessoas humildes, ainda que o Cristianismo tenha se introduzido em todas as classes sociais, inclusive nas principais as hierarquias militares. A partir do século II era cada vez maior o número de soldados romanos cristãos. Sabe-se que a sociedade do Império Romano era formada em sua ampla maioria pelas pessoas menos favorecidas.
O Cristianismo pregava igualdade e liberdade, o que atraiu o interesse e a atenção dos escravos e dos soldados do Império Romano. Sabe-se que cerca de 3/4 da população do império era escrava. O Reino de Deus parecia oferecer ao povo status, prestígio, condição social muito atraente. Então, muitas pessoas começaram a freqüentar a igreja. Na carta a Filemom, Paulo escreve para que seu escravo seja recebido como irmão, e não como servo. Assim, as comunidades cristãs aboliram as diferenças sociais. Para Roma isto era uma afronta. E Roma começa a pensar que se todos seguissem a igreja em breve ocorreria uma grande revolução. Certamente seria uma revolução não armada, porque os cristãos não pegavam em armas.

1.2. INTERFERÊNCIAS SOCIAIS E CULTURAIS

A igreja chegava às cidades, começava a crescer, e gerava alguns problemas culturais e sociais. Por exemplo, os cristãos se negavam a comprar as carnes de sacrifícios. Em algumas cidades de peregrinos, como Jerusalém, os cristãos se recusam a participar de festas romanas. Então, as cidades começaram a reclamar das interferências dos cristãos. Os comerciantes já não vendiam tanto. Houve reclamações e manifestações, e os romanos passaram a temer interferências na paz que reinava no império. Em termos sociais, outro fato foi causa da perseguição dos cristãos, segundo Nichols (op. cit., p. 31): a realização de suas principais reuniões a portas fechadas, como a Ceia do Senhor. Aos olhos do governo, a igreja parecia uma sociedade secreta que crescia de forma assustadora.
Pardo (op. cit., p. 104) leciona que os cristãos afastaram-se dos templos dos deuses greco-romanos, do circo (um centro de grande imoralidade), dos teatros e dos demais espetáculos, isolando-se da sociedade pagã corrompida. Os cristãos eram chamados a ter uma vida limpa e exemplar, que era incompatível com a idolatria e com diversos costumes pagãos. A atitude cristã representava um verdadeiro ataque ao Império Romano. Nichols (op. cit., p. 31) refere que até o século III também havia uma hostilidade popular em relação aos cristãos, posto que não cultuavam o Estado, atitude que representava um símbolo de patriotismo, e se consideravam um povo à parte, escolhido por Deus. Sobre a hostilidade popular, Pierrard (1982, p. 28) escreve que:

“É inegável que a cólera do populacho, alimentada por maledicências, inveja, desgosto ou patriotismo exagerado, levou mais de um cristão aos tribunais e ao suplício: a multidão sempre foi covarde em relação às minorias e às pessoas vigiadas pela polícia.”

Também sobre o relacionamento dos cristãos com o povo pagão, Dreher (1993, p. 53) escreve que: “As perseguições tiveram, em geral, caráter local, devendo-se em grande parte à superstição do povo: uma epidemia, um terremoto, fome ou enchentes eram razões suficientes para fazer com que houvesse perseguições. As acusações eram apresentadas ao governador, que, mesmo estando convicto de sua inocência, tinha que abrir o processo, caso não quisesse ser visto como favorável aos cristãos. Dessa maneira, muitos cristãos perderam as suas vidas durante os governos de Trajano e de seus sucessores. Pessoas ilustres como Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Justino e muitos bispos foram martirizados naqueles dias. Os perseguidores atacavam primeiro o clero, para que as comunidades ficassem sem líderes. Às vezes, nós nos deparamos também com ações que atingiram toda uma comunidade. Aos que morreram confessando a fé a Igreja deu o nome de mártires”.
Finalmente, Walker (op. cit., p. 69) refere que havia uma presunção que o Cristianismo era indesejado e passível de punição. Esta presunção expôs cristãos à hostilidade popular e à perseguição e punições dos governadores imperiais. Deste modo, os cristãos eram mais motivo de desordens e tumultos locais, do que ameaça propriamente dita ao império. Conclui que:
“somos inclinados a concluir que a incidência real de perseguição dependia grandemente das atitudes e sentimentos dos cidadãos locais para com os cristãos e das medidas com que os governadores provinciais estavam querendo pacificar o sentimento popular cooperando com este. Esta conclusão é fundamentada, ademais, no caráter esporádico das primeiras perseguições.”

1.3. A NEGATIVA DOS CRISTÃOS EM PRESTAR CULTO AO IMPERADOR E AOS DEUSES DO IMPÉRIO ROMANO

Dreher (1993, p. 51) ensina que ao honrar os deuses oficiais, o cidadão prestava um testemunho de sua fidelidade ao Estado. O Estado era tolerante, pois entendia que todo mundo podia crer no que bem entendesse, desde que prestasse culto aos deuses oficiais. Os judeus não estavam obrigados ao culto aos deuses e ao imperador, pelo que os cristãos não foram incomodados neste ponto no período em que ainda eram confundidos como participantes de uma seita judaica ou de uma facção do Judaísmo. Quando essa visão pública se desfez, a partir do governo de Nero e da destruição de Jerusalém, os cristãos passaram a ter problemas, pois continuaram negando o culto realizado aos deuses oficiais e ao imperador.
Walker (2006, p. 67) também refere que Roma era tolerante em questões religiosas, pois entendia que cada cidade e nação do império podiam adorar suas próprias divindades, praticar seus rituais, tal qual fazia o Senado e o próprio povo romano. Todavia, exigiam como contrapartida que Roma e seus deuses recebessem a devida honra. Por outro lado, o império não aprovava práticas religiosas que parecessem imorais aos romanos ou que fossem ofensivas aos seus deuses, como por exemplo aquelas que praticavam sacrifício humano ou que praticassem ritos de forma reservada. Como mencionado no item 1.2, supra, aos olhos do governo, a igreja parecia uma sociedade secreta que crescia de forma assustadora.
Como leciona Nichols (op. cit., p. 30), o império permitia a livre prática de muitas religiões, mas o que realmente incomodava no Cristianismo era que seus adeptos eram obedientes e leais ao seu próprio Salvador, e não ao Estado. Não cultuavam outros deuses, especialmente aos deuses romanos, o que para império era um atentado ao patriotismo.
Pardo (op. cit., 104), neste ponto, esclarece que os imperadores haviam recebido por decreto do Senado títulos divinos, pelo que adorá-los importava em um ato de patriotismo e submissão. Os pagãos criam que a proteção e a grandeza do Estado dependiam dos diversos deuses da mitologia grega-romana. Os cristãos, por outro lado, aceitavam a existência de um único e verdadeiro Deus, e de um único mediador entre Deus e os seres humanos, qual seja, Jesus Cristo.
O início do culto ao imperador ocorreu por volta do ano 40 a.C., com o imperador chamado Júlio César. Este conseguiu, finalmente, vencer a guerra e estabelecer a “pax romana”. Vencidos os inimigos, o imperador estabeleceu a ordem. Por conta disto, o senado romano resolveu dar títulos ao imperador, como por exemplo, o de Augusto, que significa divino. Depois o imperador recebeu o título de Pontífice Maximus, ou seja, o mediador máximo, que faz a mediação, a ponte, entre os deuses e a humanidade. Com isto, a figura do imperador tornou-se idolatrada e temida. O resultado disto foi a construção de templos para homenagear o imperador. Toda cidade queria agradar ao imperador, construindo templos e neles colocando as imagens de César. Para Roma, isto era bom, porque resultava em alianças, evitando revoltas. Todos os demais imperadores passaram a receber estas homenagens. No ano 250, o imperador Décio promulgou um edito obrigando todos os habitantes do Império Romano a sacrificar aos deuses e ao gênio do Imperador, sendo que os que ofereciam tais sacrifícios recebiam um certificado (Dreher, op. cit., 54). O objetivo do edito era combater “as forças desagregadoras dos cultos orientais”, mas acabou atingindo os cristãos da época.
Os novos cristãos começaram a não freqüentar os templos, e a não atender os chamados para prestar cultos, como faziam antes. A igreja começa a ser vista como algo perigoso, pela desobediência ao estado. Os judeus tinham o benefício de não prestar culto ao imperador, graças ao acordo conseguido por Herodes. Segundo Walker (op. cit., p. 67), “os romanos tendiam a repugnar o proselitismo judaico e tentaram mais de uma vez tornar o judaísmo menos visível na própria Roma, eles não obstante chegaram até mesmo a dispensar os judeus da participação no culto imperial”. Não obstante, o crescimento dos cristãos entre os gentios também foi causa do desaparecimento deste benefício. Enfim, Roma percebe que estes gentios não são judeus. Paulo manda uma carta para a igreja dizendo que alguns cristãos estavam voltando ao Judaísmo com medo da perseguição.
Depreende-se, facilmente, a percepção romana de que Jesus Cristo “concorria” com o Imperador, representando, portanto, uma ameaça.

2. PRINCIPAIS EFEITOS DAS PERSEGUIÇÕES ROMANAS

2.1. CARÁTER MORAL DA IGREJA

Conforme Nichols (op. cit., p. 33), as grandes perseguições moldaram o caráter moral da Igreja. Nas dificuldades, apenas pessoas fieis e zelosas professavam a fé em Cristo, já que isto constituía uma hostilidade ao governo. E fato que durante os períodos de paz, muitos aderiam à Igreja, o que baixava o nível médio moral dos cristãos. Com o reinício das perseguições, os fracos não resistiam na manutenção de sua fé.

2.2. OS APOLOGISTAS

Walker (op. cit., p. 71) menciona que as acusações feitas aos cristãos e o não reconhecimento do Cristianismo como religio licita, ou religião autorizada, impeliu diversos fieis a testemunharem seu sofrimento e a explicar e defender a sua fé. Os escritores desta época, nomeadamente do período que medeia os anos 130 a 180, foram conhecidos como apologistas. A palavra grega apologia significa o discurso para a defesa. Exemplo dos apologistas citados são Quadratus (125), Aristides (140), Justino Mártir (meados do II século), Melito de Sardes (entre 169 a 180), Atenágoras (177) e o bispo Teófilo de Antioquia. Eram escritos com linguagem das classes mais instruídas que se constituíram nas “primeiras explicações arrazoadas das convicções da igreja.” Naturalmente, tais escritos contribuíram de forma indiscutível para a atual compreensão da fé cristã durante o período da igreja antiga, assim como para a formação da teologia atual.

2.3. O FORTALECIMENTO DA FÉ CRISTÃ

Jesus Cristo disse em João 15:20: “se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardarem a minha palavra, também guardarão a vossa.” Assim como Cristo morreu pelo evangelho que pregava, muitos outros foram martirizados e mortos em nome de Jesus. As perseguições que buscavam extinguir de vez o Cristianismo, tiveram um efeito bastante diverso daqueles esperados pelo Império Romano. As perseguições fortaleceram a fé cristã.
É fato que muitos apostataram da sua fé, outros até pagaram para sobreviver ou para que alguém morresse em seu lugar. Não obstante, o exemplo dos mártires da igreja fez com que muitos cristãos considerassem que também podiam morrer pelo evangelho de Cristo. Era uma honra para os cristãos, desde Estevão, o primeiro mártir. Com efeito, desde a perseguição promovida pelos próprios judeus (At. 5:41), cristãos regozijavam-se “de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus”.
As perseguições também constituíram oportunidades para testemunhos para evangelização. Diz-se que Inácio de Antioquia estava sendo levado para ser jogado aos leões quando lhe ofereceram a oportunidade de escapar da morte mediante a negativa de Cristo. Ele respondeu que os dentes das feras eram como serrilhas que trituram o trigo, para que através do pão, as pessoas possam se alimentar espiritualmente do Reino de Deus. Ou seja, o corpo dele seria alimento para a fé de outras pessoas, o que de fato ocorreu. Muitas pessoas se convertiam ao ouvir os testemunhos dos martirizados.


3. O ÁPICE DAS PERSEGUIÇÕES: DIOCLECIANO

3.1. A SITUAÇÃO CRISTÃ NO INÍCIO DO GOVERNO DE DIOCLECIANO

A primeira impressão que se tem das atitudes dos imperadores romanos que perseguiram o Cristianismo é que, desde seu primeiro dia de governo, tomavam medidas para tentar reprimir ou mesmo extinguir a igreja. Esta premissa não é verdadeira, como se percebe na situação específica de Diocleciano.
Pardo (op. cit., p. 118) ensina que no início do governo de Diocleciano, os cristãos gozavam de bastante liberdade e segurança, a tal ponto de terem construído a igreja de Nicomédia em frente ao Palácio Imperial. O monarca reconhecia que o império atravessava um momento crítico e decadente, e que existia a necessidade de um avivamento da religião estatal. Diocleciano também entendia que a perseguição não seria uma forma adequada para obter este avivamento, e que o derramamento de sangue apenas traria comoções prejudiciais ao império. Então, para conseguir dar ao império um novo impulso, Diocleciano associou-se a Maximinio, a Galério e a Constancio Cloro. O primeiro tinha título de Augusto e estes dois últimos o título de César. Galério era genro de Diocleciano, e Constancio veio a ser pai de Constantino.
Nichols (op. cit., p. 32) leciona que a “Pax Longa” vigente entre 260 e 303, durante o governo do imperador Galieno e em parte do governo de Diocleciano, a igreja cresceu em número, poder e organização, o que lhe permitiu suportar a última das perseguições nas mãos de Diocleciano. Dreher (op. cit., p. 56) leciona que no início de seu governo, Diocleciano tolerou o Cristianismo que havia crescido sobremaneira nos últimos decênios, sendo que na própria corte havia muitos oficiais e militares cristãos. Ainda, eram cristãs a sua esposa Prisca e a sua filha Valéria. Em verdade, como esclarece Walker (op. cit., p. 142-143), neste período o império esteve mais ocupado em resolver questões relativas a invasões externas, e ainda, sucessivamente, questões a respeito da reforma interna e recriação da ordem desestabilizada, do que preocupar-se com a questão dos cristãos.

3.2. A DIVISÃO DO GOVERNO E O FUTURO EFEITO NA PERSEGUIÇÃO

Nichols (op. cit., p. 28) leciona que Diocleciano percebeu a dificuldade de administrar um império tão amplo, idealizando uma divisão de autoridade entre quatro governadores. Como esclarece Walker (op. cit., p. 148), “o império era um, ainda que seus governantes fossem quatro”.
Dreher (op. cit., p. 55) refere-se à divisão administrativa do império, com a nomeação de Maximiano como imperador, co-regente de Diocleciano. Maximiano recebeu o título de Augusto, governando sobre o Ocidente, desde a capital Milão. Diocleciano governava o Oriente, desde a capital Nicomédia. No entanto, estava bastante clara a subordinação de Maximiano a Diocleciano, inclusive pelos cognomes por eles adotados, “Herculius” e “Jovius”, respectivamente. Diocleciano também nomeou Galério e Constâncio como Césares do Oriente e do Ocidente, respectivamente, que seriam os sucessores dos imperadores.
Na condição de César, Galério exerceu forte e importante influência sobre Diocleciano no que diz respeito à perseguição aos cristãos, como restará demonstrado a seguir.
3.3. A PERSEGUIÇÃO PROMOVIDA POR DIOCLECIANO

De acordo com Pardo (op. cit., p. 119), Galério era um pagão fanático e pediu a Diocleciano que obrigasse todos aqueles que prestavam serviço militar que tomassem parte nas cerimônias oficiais pagãs, dos quais até então os cristãos eram dispensados, ou que, do contrário, renunciassem aos seus postos. De acordo com o testemunho de Eusébio, muitos oficiais de alta hierarquia renunciaram, sendo que outros foram mortos porque acusados de falta de respeito e insubordinação pelas palavras e ações adotadas por ocasião da renúncia. No ano 303, após visita de Galério e dos altos oficiais do Estado, Diocleciano assinou o primeiro decreto determinando uma perseguição geral aos cristãos, que consistiu na degradação dos fiéis da alta sociedade, na destruição de templos e de livros sagrados do Cristianismo, no martírio dos que se opunham. O segundo decreto de Diocleciano determinou a prisão dos membros do clero, submetendo-os às torturas mais severas até que oferecessem sacrifícios aos deuses romanos. Esta pena foi estendida aos leigos, que também eram conduzidos ao trabalho forçado em minas. Este decreto surgiu após a destruição do templo de Nicomedia e de um sucessivo e mal explicado incêndio no palácio imperial, de cuja autoria os cristãos foram acusados. Com a queda de Diocleciano em 305, o poder passou para as mãos de Galério no Oriente e de Constancio no Ocidente. Embora Constancio tenha determinado o fechamento de algumas igrejas e a demolição de outras, ele não era favorável às perseguições. Galério, por sua vez, continuou a perseguição até 311, quando ficou gravemente doente.
Ainda sobre a perseguição promovida por Diocleciano, Dreher (op. cit., p. 56) afirma que no ano 300 este imperador iniciou uma “operação limpeza” no exército, determinando a todos os soldados que realizassem sacrifícios, sob pena de afastamento. Os altos oficiais exigiam a eliminação do Cristianismo, pois entendiam que a igreja era quase um estado dentro do Estado. Dentre os que tinham esta intenção apresentava-se Galério. Segundo Dreher, esta também era a vontade de Diocleciano que, porém, divergia quanto à tática. Diocleciano era mais sábio que Galério, e inicialmente tinha dúvidas sobre o sucesso de um ataque radical aos cristãos. Quando decidiu, após a consulta a um oráculo[2], publicou 4 editos entre fevereiro de 303 e maio de 305, determinando destruição dos lugares de culto, confisco de livros bíblicos e litúrgicos, perda de direitos civis e de cargos públicos, prisão dos clérigos e morte àqueles que se negavam a oferecer sacrifícios. Em maio de 305, Diocleciano e Maximiano renunciaram, assumindo como imperadores Galério e Constâncio. Com a morte subsequente de Constâncio em 306, o exército proclamou Constantino como Augusto, sendo que este reconhecimento militar não se deu sem pouca luta. Com Constantino, ao menos no Ocidente, os cristãos conheceram a paz.
Também Pierrard (op. cit., p. 41) refere que em 305, Maximiano e Diocleciano abdicam o poder em favor de Constâncio e Galério, que designaram como Césares Severo e Maximino Daia. Constantino, filho de Constâncio derrotou Maxêncio, filho de Maximiano, em 28/10/312. Seis meses mais tarde, Licínio - que foi designado como Augusto em 307 após a morte de Severo - derrotou Maximino Daia. Assim, as capitais do império passaram a ser apenas Roma e Nicomédia (Ásia Menor). Esta forma de governo não durou muito tempo, sendo que Constantino tornou-se o único imperador no ano 323. Em 324, este imperador transformou Bizâncio na cidade de Constantinopla, criando uma “nova Roma”.

4. O FIM DAS PERSEGUIÇÕES: CONSTANTINO

4.1. O INÍCIO DO GOVERNO DE CONSTANTINO E A SUA CONVERSÃO

Conforme mencionado anteriormente, com a morte de Constancio em 306 as legiões romanas juraram fidelidade a Constantino, sucedendo o pai no governo do ocidente, ao mesmo tempo em que Magêncio (ou Maxêncio) era proclamado imperador em Roma (Pardo, op. cit., 120). Durante a disputa pelo governo do Império entre Magêncio e Constantino, este teve uma visão enquanto orava ao Deus dos cristãos pedindo a vitória. Ele viu no céu uma cruz brilhante e uma frase escrita abaixo dela dizendo “com este sinal vencerá”. Na noite seguinte, Constantino teria visto Jesus Cristo com o mesmo símbolo, dizendo que fizesse um estandarte com o monograma de Cristo, que passou a ser chamado de lábaro. Depois da visão, Constantino chamou a vários mestres cristãos, indagando-lhes sobre a visão. No ano 312, as hostes de Constantino destruíram completamente o exército de Magêncio, em Saxa Rubra, a cerca de 15 km de Roma. No Fórum Romano, ergueu-se uma estátua do imperador segurando uma cruz, com a seguinte inscrição: “por meio deste sinal saudável, o verdadeiro símbolo de valor, libertei a cidade do jugo do tirano”. Foram pintadas cruzes nos capacetes e nos escudos dos soldados.
Segundo Nichols (op. cit., p. 42), em verdade Constantino percebeu que o Cristianismo crescia e não podia ser destruído, fortificando-se cada vez mais. Talvez tenha sido convencido de que o Deus dos cristãos era forte e que a oração deles poderia abençoar seu próprio governo. Também deve ter percebido que o Cristianismo forte poderia colaborar na unificação de todos os povos do império. Em que pese sua simpatia pelo Cristianismo, suas atitudes não tinham a influência da moral cristã, e seu batismo somente ocorreu pouco antes da morte. O fato é que a conversão de Constantino teve importante efeito na sobrevivência e no futuro da igreja. Este efeito teve início na igreja localizada no império ocidental. Mas o próprio Galério, que governava o Oriente, percebeu ao fim de sua vida que era ineficaz continuar perseguindo a igreja.

4.2. OS ÉDITOS DE LIBERDADE PARA OS CRISTÃOS DO ORIENTE E DO OCIDENTE

Nichols (1981, p. 32) ensina que no ano 311 Galério, o imperador do Oriente, fez publicar um Édito de Tolerância reconhecendo a insânia da perseguição aos cristãos. Segundo Pardo (op. cit., p. 120), Galério, que reconheceu seu fracasso em tentar destruir a fé cristã e que concluiu que sua doença decorria da vingança do Deus cristão, fez constar no mencionado Édito:
“Já que muitos continuam na mesma ignorância e vemos que não oferecem aos deuses celestiais o culto que lhes é devido, nem tampouco servem ao Deus dos cristãos, em consideração da nossa boa vontade e nosso costume invariável de estender nossa indulgência a isto também, permitindo que outra vez sejam cristãos e que possam reedificar os edifícios em que costumavam congregar-se, com a condição de que nada façam contrário à boa disciplina.”
Dreher (op. cit., p. 57) transcreve o mesmo Édito de tolerância de forma mais extensa, esclarecendo que Galério o assinou 5 dias antes de sua morte. O Édito também foi publicado em nome de Licínio e Constantino, sendo que Maximino Daza negou-se a assiná-lo:
“Entre outras providências para promover o bem duradouro da comunidade, temo-nos empenhado em restaurar o funcionamento das instituições e da ordem social do Estado. Foi nosso especial desejo que retornem ao correto os cristãos que têm abandonado a religião de seus pais. Após a publicação de nosso Édito, ordenando o retorno dos cristãos às instituições tradicionais, muitos deles foram constrangidos a decidir-se mediante o temor, e outros passaram a viver uma atmosfera de perigos e intranqüilidade. Sendo, porém, que muitos persistem em suas opiniões e evidenciando-se que, hoje, nem reverenciam os deuses, nem veneram seu próprio deus, nós, usando da nossa habitual clemência em perdoar a todos, temos por bem indultar a esses homens, outorgando-lhes do direito de existir novamente e de reconstruir seus templos, com a ressalva de que não ofendam a tranqüilidade pública. Seguirá uma instrução aos magistrados de como se devem portar nesta matéria. Os cristãos, por esta indulgência, obrigar-se-ão a orar a seu Deus por nossa convalescença, em benefício do bem geral e do seu bem estar em particular, de modo que o Estado seja preservado do perigo e eles mesmos vivam a salvo no seu lar.”
De acordo com Pardo (op. cit., p .121), no ano 313, Constantino e o outro imperador Licínio expediram o Édito de Milão, que assegurou a liberdade de culto cristão e determinou a restituição das igrejas e propriedades retiradas das comunidades cristãs. A partir de então, passou a existir o que se chama a paz da igreja.

4.3. O FAVORECIMENTO DE CONSTANTINO AO CRISTIANISMO

Como mencionado anteriormente, a conversão de Constantino teve importante efeito na sobrevivência e no futuro da igreja. Após a sua conversão, Constantino favoreceu a igreja de diversas formas.
Segundo Nichols (op. cit., p. 43), Constantino favoreceu o Cristianismo com a concessão de liberdade de culto, com ofertas valiosas para a construção de templos, com a manutenção do clero, com a isenção de impostos, com a adoção do lábaro como sinal imperial e com importante ajuda para dirimir disputas doutrinárias.
Como exemplo da ajuda do imperador na solução das disputas doutrinárias encontra-se a sua participação no Concilio de Nicéia, em 325, o primeiro Concílio Geral da Igreja. Sobre ele, Nichols (op. cit., p. 48) leciona que Ário, presbítero de Alexandria, pregava que Jesus não tinha sido nem homem nem Deus, mas um intermediário entre a divindade e a humanidade. Atanásio era o grande oponente de Ário. Constantino convocou o Concílio para pacificar os ânimos e influenciou na decisão que representava o entendimento majoritário dos bispos. Atanásio venceu, e ficou decidido que Cristo era da mesma substância do Pai, resultando no Credo Niceno. Jesus era o Salvador e não podia ser senão o Deus. No século seguinte, no quarto Concílio Geral da Igreja, na Calcedônia (451), confirmou-se o Credo Niceno, e reconheceu-se que Cristo tinha tanto a natureza divina como a humana.
A liberdade de culto e o auxílio financeiro concedido por Constantino, por certo, transformaram a igreja antiga em uma nova igreja. Certamente, a igreja já não precisava viver à margem da legalidade, encontrando apoio para subsistir no próprio governo. Templos foram construídos e a igreja se estruturou. Assim, Constantino representou uma mudança radical nos rumos da igreja cristã, colaborando diretamente com o atual estágio do Cristianismo.
CONCLUSÃO

Deus onisciente sabia previamente o que o ser humano sofreria no mundo em nome da verdade. Jesus Cristo, enquanto viveu neste mundo, advertiu seus apóstolos e seguidores que haveria perseguições e sofrimentos terrenos. Por certo, Deus também sabia que tudo o que se passou na história era necessário para que a igreja chegasse até estes dias.
Os interesses humanos do Estado Romano foram a causa principal da perseguição dos cristãos. As crenças e os hábitos cristãos abalaram toda uma sociedade, até então dominada pelo paganismo ou adstrita aos limites rígidos da doutrina judaica.
A revolução de vida de uma minoria atraiu a atenção de muitas pessoas, a maioria de origem humilde e dominada pelo poder vigente à época. Os valores cristãos passaram a ser acolhidos pelos menos favorecidos e, depois, introduziu-se em todas as esferas da sociedade do Império Romano. A igreja cresceu a olhos vistos. Nas épocas e nas regiões em que as perseguições tornavam-se mais severas, permaneciam apenas os realmente convertidos.
O martírio, as mortes e as restrições de liberdade fortaleceram a fé cristã. Todos que tentaram extinguir o Cristianismo fracassaram. Diocleciano convenceu-se de que isto era impossível e abdicou do Poder. Constantino sabiamente constatou que se não podia vencer o Cristianismo, poderia trazer os cristãos para o seu lado, e assim o fez, o que acabou transformando a igreja. Com Constantino, uma nova igreja surgiu.
A paz reinou na igreja colocando fim às perseguições, às mortes e aos martírios. O povo cristão então passou a usufruir a liberdade de culto e de religião. A igreja foi amplamente beneficiada com recursos financeiros aportados pelo imperador, o que permitiu a construção de templos e a organização eclesiástica. Crises internas passaram a ser resolvidas com o auxílio e o apoio do próprio governo imperial. A igreja chegou a conceder o título de 12º apóstolo para Constantino.
Se a igreja foi beneficiada pela condição de religião reconhecida pelo Estado, nem tudo foi realmente benéfico. A igreja perdeu sua voz profética, na medida em que não se podia criticar a igreja protegida pelo próprio Império. Quem ousaria? Também por isto, muitos passaram a se reconhecer cristãos, mas sem verdadeira conversão, agindo apenas para agradar o próprio governo imperial. O próprio imperador Constantino, batizado apenas em seu leito de morte, viveu sem dar um bom testemunho cristão. A igreja, por sua vez, foi obrigada a aceitar tanto o modo de agir do Imperador como a receber certas doutrinas que implicaram em um sincretismo religioso na própria igreja.
O fato é que a igreja sobreviveu a este período e chegou aos dias atuais. O então invencível Império Romano já não existe mais. Este período histórico serve como grande testemunho do poder de Deus e da força do evangelho de Cristo, a demonstrar que o ser humano nada pode por si mesmo. O testemunho também ensina os atuais cristãos a perseverar na fé e a não se render a dificuldades, por piores que sejam.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DREHER, Martin N. A Igreja no Império Romano. Vol. 1, São Leopoldo: Sinodal, 1993.
NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã, 5 ed. rev., São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981.
PARDO, José Maria di. Tratado de “Historia Eclesiástica”: los siglos primeiros (I a IV), Barcelona: A.L.E.R.T.A, 1977.
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. Álvaro Cunha (trad.). 4. ed., São Paulo: Paulus, 1982.
WALKER, Wiliston. História da Igreja Cristã. Paulo D. Siepierski (trad.), 3. ed., São Paulo: Aste, 2006.


NOTAS

[1] Segundo Dreher (1993, p. 54), a partir da morte do imperador Cômodo, em 192, os imperadores “passaram a ser nomeados pelo exército.”
[2] Conforme Walker (op.cit., p. 149), “Diocleciano enviou ao oráculo de Apolo, em Mileto, uma inquirição sobre que curso ele deveria seguir” diante do comportamento dos cristãos dentro do exército romano, sendo que a “a resposta foi desfavorável para os cristãos”. A partir de então, Diocleciano passou a perseguir os cristãos.
Ensaio monográfico apresentado em cumprimento às exigências da disciplina de História da Igreja I do Curso de Bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, ministrada pelo Prof. Wander de Lara Proença.

A plenitude do Espírito Santo no livro de Atos

INTRODUÇÃO

A leitura de Efésios 5:18 inevitavelmente instiga o cristão a observar a recomendação imperativa de Paulo para encher-se do Espírito Santo. Afinal, encontram-se na Bíblia diversas pessoas que, ao seu tempo, eram cheias do Espírito e cumpriam em suas vidas o maravilhoso propósito de Deus. Se viver desta maneira constitui uma grande e desejada benção para o cristão, compreender o que significa a plenitude do Espírito Santo resulta em um tema de relevante importância teológica.
De fato, “ser cheio do Espírito Santo deve ser o grande desejo de todo o filho de Deus” (Hatcher, 1981, p. 106). Alguns exemplos de pessoas cheias do Espírito Santo podem ser mencionadas a título ilustrativo, como João Batista[1] e Estevão[2], mas acima de todos, Jesus Cristo[3]. Ainda, pode ser mencionado Pedro, cheio do Espírito Santo, que através de um discurso, converteu quase três mil almas em Atos 2.
Deste modo, o propósito deste trabalho é investigar a respeito da plenitude do Espírito Santo na vida das pessoas, buscando contribuir com o entendimento e a reflexão de tantos quantos tem buscado conhecer e encontrar a Deus. Naturalmente, o trabalho encontra a limitação própria do ser humano, limitação esta que não permite compreender integralmente a grandiosidade e a majestade de Deus.
Em muitas passagens bíblicas verifica-se o agir do Espírito Santo sobre as pessoas. Entretanto, buscando delimitar a investigação, realiza-se a opção de pesquisar no livro de Atos as passagens bíblicas que mencionam pessoas cheias do Espírito Santo. Este livro tem especial importância por muitas razões, dentre as quais pela narrativa da descida do Espírito sobre os primeiros cristãos que estavam reunidos em Jerusalém.
O primeiro capítulo destina-se à fundamentação bíblico-teológica da plenitude do Espírito Santo, nomeadamente no livro de Atos. Em um segundo capítulo, o trabalho evidenciará o pensamento da doutrina a respeito deste tema, de modo que este possa ser refletido sob o contexto atual. Por fim, na parte final, procura-se estabelecer as principais conclusões deste caminho metodológico, que tem início na Bíblia e passa necessariamente por alguns estudos doutrinários já realizados antes deste trabalho que, naturalmente, não poderia ter a impossível pretensão de esgotar o tema.

A PLENITUDE DO ESPÍRITO SANTO EM ATOS

Em sentido coloquial, a palavra plenitude corresponde a um substantivo feminino que se refere à qualidade ou ao estado daquele que é pleno, cheio, repleto, completo, inteiro, absoluto. O adjetivo pleno, além destes vários significados, também pode se referir ao que é perfeito e acabado.
Sendo assim, em um primeiro momento, a expressão “plenitude do Espírito Santo” parece designar a qualidade ou o estado do Espírito Santo, enquanto pessoa da Santíssima Trindade. De fato, pode-se compreender Deus como pleno, completo, inteiro, absoluto e perfeito. Porém, não é este o sentido buscado quando se utiliza a expressão “plenitude do Espírito Santo” para dizer que o cristão está cheio do Espírito Santo. Afinal, se o corpo do cristão é o templo onde o Espírito Santo habita, quem detém a qualidade ou o estado de cheio, repleto, completo é o cristão, e não Deus. É o cristão que está cheio, repleto e completo da presença e do agir do Espírito Santo. O cristão seria o continente, caso fosse possível imaginar equivocadamente que Deus pudesse estar contido em algum lugar. A partir desta argumentação, pode-se afirmar que a expressão que se pretende definir nada mais representa do que uma metáfora, já que Deus (ou a sua presença) não pode ser limitado à noção de conteúdo. Pode-se afirmar, ainda, que a melhor expressão metafórica que corresponde à idéia que se pretende desenvolver é “a plenitude do Espírito Santo na vida do cristão”.
Como bem explica René Pache (1957, p.131), “a Bíblia não contém exactamente esta expressão; mas em muitas passagens ela fala da possibilidade e da necessidade dos crentes se ‘encherem do Espírito’. Se, então, falamos às vezes da ‘plenitude do Espírito Santo’, é por comodidade de linguagem, pois isso significa ser ‘cheio do Espírito’”.
Jesus Cristo, antes de ser elevado às alturas, revelou aos seus apóstolos a promessa do Pai, de que não muito depois daqueles dias, seriam batizados com o Espírito Santo e que receberiam poder, com o propósito de serem suas testemunhas em todos os locais da terra (At 1:5;8). De fato, não muito tempo depois, todos estavam reunidos quando ficaram cheios do Espírito Santo em Pentecostes, conforme Atos 2:4.
Sem dúvida, o discurso de Pedro em Atos 2, que converteu três mil pessoas, foi obra do Espírito Santo. Pedro era cheio do Espírito, conforme também confirma a Bíblia em Atos 4:8.
A igreja primitiva orava com o propósito indicado por Jesus, para que Deus concedesse aos seus servos que anunciassem a sua Palavra com toda a intrepidez, em Atos 4:23-31. Tendo eles orado, todos ficaram cheios do Espírito Santo e cumpriam o propósito divino, com toda intrepidez (At 4:31).
Os doze discípulos determinaram fossem escolhidos sete homens cheios do Espírito Santo e de sabedoria por ocasião da instituição dos diáconos, em Atos 6. No versículo 5 deste capítulo, a Bíblia narra que foram escolhidos Estevão, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau. Entretanto, cumpre notar que o versículo evidenciou apenas Estevão como “homem cheio de fé e do Espírito Santo”. A plenitude do Espírito Santo na vida de Estevão foi confirmada em Atos 7:55.
Paulo foi procurado por Ananias por ordem do Senhor, para que ficasse igualmente cheio do Espírito Santo, como se verifica em Atos 9:17. De fato isto ocorreu, o que se percebe por todo o trabalho deste apóstolo, e se confirma expressamente em Atos 13:9.
O versículo 24 de Atos 11 descreve Barnabé como homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé.
Estas são algumas passagens bíblicas que se referem expressamente a pessoas cheias do Espírito Santo. O adjetivo grego plèrès (πληρης), que significa cheio e completo “aplica-se também a pessoas, nos escritos de Lucas e João. Um homem pode ser cheio do Espírito Santo, cheio de fé, ou cheio de boas obras (cf. At 6:3, 5; 9:36)” (Coenen & Brown, 2000, p. 1673). Os verbos gregos plèroò (πληρόω) e pimplèmi (πίμπλημι) significam encher e completar, e se empregam apenas no passivo, no contexto de pessoas cheias do Espírito (Coenen & Brown, 2000, p. 1676).
Segundo Coenen & Brown (2000, p. 1677), “aquilo que foi, até ao Pentecostes – data decisiva da igreja universal – o privilégio de apenas poucos indivíduos, ficou sendo, a partir daquela data, a característica mais importante da igreja judaica, e, subsequentemente (cf. At cap. 10), da igreja gentia”. Ocorre, porém, que o enchimento do Espírito não importava em um fim em si mesmo, mas era a condição prévia (e por que não, necessária) para o cristão, em uma situação missionária, levar com intrepidez a mensagem do evangelho até os confins da terra. De fato, esta é a tônica do versículo-chave do livro de Atos, ou seja, Atos 1:8.
Uma vez identificado o contexto bíblico da plenitude do Espírito Santo no livro de Atos, nomeadamente relacionado com a missão evangelística confiada por Cristo aos seus apóstolos, importa no próximo capítulo desta breve pesquisa estudar a interpretação teológica sobre a plenitude do Espírito Santo na vida dos cristãos dos dias atuais.

INTERPRETAÇÃO TEOLÓGICA SOBRE A PLENITUDE DO ESPÍRITO

Como ressaltado nas notas introdutórias, é natural e visível nas pessoas cristãs o desejo de atender a recomendação imperativa bíblica de encher-se do Espírito Santo. Este desejo se potencializa na medida em que a leitura bíblica revela os grandes feitos de personagens na comunidade cristã do primeiro século. Hatcher (1981, p. 106) esclarece que “ser cheio do Espírito Santo significa que o crente está se desenvolvendo normalmente como um filho de Deus deveria desenvolver-se. Significa que o crente está se tornando semelhante a Jesus. (Ver Efésios 4:13)”. É fato que “toda e qualquer pessoa salva pode ser cheia do Espírito. Isso é uma verdade porque toda pessoa salva é nascida do Espírito de Deus. Qualquer pessoa nascida do Espírito pode ser cheia do Espírito Santo.” (Hatcher, 1981, p. 107).
Na mesma proporção, entretanto, a plenitude do Espírito Santo parece não ser bem compreendida por alguns cristãos atuais. Tem-se a impressão de que os mencionados grandes feitos eram obras de seres humanos, olvidando-se do real agir do Espírito Santo neste mundo. Por outro lado, percebe-se em alguns cristãos o desejo de alcançar a plenitude do Espírito Santo para satisfazer fins eminentemente pessoais. Deste modo, Pache (1957, p. 135) corretamente adverte que “estar cheio do Espírito não quer dizer que nós temos mais do Espírito, para dispor d’Ele de qualquer maneira, mas bem pelo contrário, que Ele tem mais de nós próprios e nos tem inteiramente à Sua disposição.” Para Bravo, “a exortação para encher-se do Espírito é uma exortação de completa rendição para Ele. Quanto mais nos esvaziamos de nós mesmos, dEle nos enchemos e maior será a manifestação do seu poder em nossas vidas” (1958, p. 61).
Há, de fato, um propósito na plenitude do Espírito Santo na vida do cristão. Conforme esclarece Bravo (1958, p. 53), “na plenitude do Espírito, Ele toma conta inteiramente do nosso coração, aniquila o homem velho e nos ensina a vontade de Deus, fortalecendo-nos e dando-nos poder para o trabalho. O novo nascimento nos comissiona à salvação; a plenitude ao trabalho. Pelo novo nascimento nascemos no reino de Deus; pela plenitude recebemos um trabalho no Reino”. Assim, tal como na igreja primitiva, o propósito do cristão encher-se do Espírito Santo é alcançar poder, não para benefício próprio, mas para benefício de todos os seres humanos. Neste sentido, Bravo afirma que “a plenitude do Espírito, é um novo poder dado ao crente para a vida e para o serviço do Reino” (1958, p. 64).
Sobre o propósito da plenitude do Espírito Santo, Heijkoop (1978, p. 66) também leciona que pela leitura atenta das passagens bíblicas que tratam do tema “havemos de ver que ser ‘enchido’ do Espírito Santo tem sempre ligação com o serviço de Deus, e algumas vezes com uma missão no tempo definido, como no caso de João Baptista e Paulo, mas na maioria dos casos com missões, profecias e testemunho.” O significado de “ser enchido”, segundo o autor, pode ter a resposta encontrada em Atos 1:8, com o fato de ser testemunha.
Nem sempre as obras humanas são resultado do agir do Espírito Santo. De acordo com Hatcher (1981, p. 112), “há três qualidades que as obras do Espírito sempre possuem, e Ele quer que essas qualidades guiem as vidas daqueles em quem Ele habita.” Este autor prossegue esclarecendo que “Ele produz bondade, pureza e verdade na vida diária do crente – nos seus pensamentos, nas suas palavras e nas suas ações. O Espírito Santo não atua para produzir superficialidades religiosas” (1981, p. 112). De fato, em Efésios 5:9, está que escrito que o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade. Estas qualidades servem para análise sobre a origem humana, ou divina, dos atos cristãos.
Sabendo-se as características do agir do Espírito Santo na vida das pessoas, questiona-se se tais características são duradouras na vida do cristão, ou se remanescem apenas durante momentos específicos e limitados. Heijkoop (1978, p.65) refere que:
“esta expressão não diz respeito a nenhuma condição passageira; se bem que não quer dizer que Barnabé tenha permanecido nesse estado até à sua morte. Indica uma condição espiritual da alma, na qual não há nada que venha estorvar a obra do Espírito Santo, e na qual todos os sentimentos, pensamentos, palavras e obras, são verificadas por Ele. Que maravilhosa condição!”.
Segundo Heijkoop, portanto, a condição do ser humano encher-se do Espírito Santo não representa uma condição passageira. Ele prolonga-se no tempo, na medida em que o cristão cultiva bons hábitos; lê, medita dia e noite e observa as escrituras; permitindo, enfim, a influência do Espírito Santo em sua vida. O encher do Espírito Santo não resulta em apenas experiências momentâneas, físicas e emocionais na vida do cristão. Conforme Hatcher (1981, p. 115), comparando Efésios 5:18 com Colossenses 3:16, pode-se afirmar que “enchei-vos do espírito” é o mesmo que “habite ricamente em vós a palavra de Cristo”. Afinal, os resultados são os mesmos, conforme versículos que seguem nos dois livros. Sendo assim, “a expressão ‘enchei-vos do Espírito’ significa que devemos encher as nossas vidas com a Palavra de Deus, mediante o estudo, a meditação e a obediência submissa à mesma” (Hatcher, 1981, p.115). De fato, em João 6:63 encontra-se a lição de que as palavras de Cristo são espírito e vida.
Deste modo, a plenitude do Espírito Santo parece compreender, então, um processo de “enchimento”. Não se trata de um fato instantâneo, que transforma o ser humano imediata e indelevelmente. Conforme Bravo (1958, p. 54):
“a velha natureza não sai, quando entra a nova, sendo mui claras sobre isto a Palavra de Deus e a nossa própria experiência. Agora, tem o pecador como que uma dupla natureza, na qualidade de crente. Existem nele ‘o Espírito’ e a ‘carne’, a vida nova e antiga, que são coexistentes. Ambas residem nele. Inimigos mortais, cada qual luta para dominá-lo. ‘A carne deseja contra o Espírito e este contra a carne’, desejando uma e outra não só estar nele, mas também possuí-la completamente.”
O crente tem a faculdade da escolha, podendo escolher entre a carne e o Espírito conforme esteja inteiramente sujeito àquele de que deseja tornar-se repleto. “Estar cheio do Espírito envolve um processo de crescimento contínuo e não uma experiência repentina. Uma pessoa cheia do Espírito viverá o tipo de vida que Jesus viveu – uma vida caracterizada pela obediência às Escrituras” (Hatcher, 1981, p. 106).
Isto não quer significar que as pessoas não possam ser cheias do Espírito Santo em um instante, se esta for a vontade de Deus, tal como ocorreu no dia de Pentecostes (At. 2:4) ou na oração da igreja em Atos 4:31. Pache (1957, p. 143) refere que “o Espírito quer, pelo contrário, encher-nos inteiramente, tais como somos, para conduzir-nos passo a passo à perfeição”. Segundo este autor, somente na glória o ser humano poderá ser cheio de toda a plenitude de Deus, mas “o Espírito pode e quer encher-nos hoje, num instante, à medida da nossa capacidade”. De fato, é preciso perceber que os seres humanos não são iguais entre si. Portanto, a plenitude do Espírito Santo existe em cada crente, porém na proporção de sua capacidade pessoal. A partir desta condição pessoal, o Espírito conduz o homem em um processo de enchimento, até transbordar da plenitude de Deus.
Segundo Hatcher (1981, p. 109) através do processo “Deus toma posse da vida que foi comprada ao preço do sangue de Jesus Cristo”. A vida da pessoa é como uma habitação espiritual (Ver 1 Coríntios 6:19). A partir do momento em que a pessoa crê em Cristo, o Espírito Santo vem viver na sua vida salva. O Espírito Santo pretende dirigir esta vida com o fim de seu desenvolvimento espiritual, no crescimento da fé. A vida do crente deveria ser como a vida de Jesus. No entanto, a vida do pecador é como uma casa velha, em estado deplorável, comprada pelo preço integral por Cristo para ser habitáculo do Espírito Santo (1 Cor. 6:20). O Espírito de Deus passa a habitar a casa e a arrumar, cômodo a cômodo, ou seja, remover tudo o que não é bom, substituindo por bons pensamentos, bons hábitos, confissão de pecados, arrependimento, nova conduta. Encher-se do Espírito Santo é permitir que Ele tome posse plena e perfeitamente da vida que Jesus adquiriu (Hatcher, 1981, p. 108/111).
Um outro ponto que merece análise é a forma como o cristão alcança a plenitude do Espírito Santo. Ou seja, alguns autores dizem que o cristão deve orar para tornar-se cheio do Espírito, enquanto outros contestam este entendimento. Heijkoop (1978, p.67), por exemplo, escreve que “orar para receber o Espírito Santo, como fazem alguns, está em completa contradição com a verdade revelada”. Isto porque não se encontra “nada acerca de orar pelo Espírito Santo, se bem que em Efésios 5:18 sejamos exortados a enchermo-nos do Espírito. Só em Actos encontramos de terem levantado unânimes a voz a Deus rogando-Lhe que lhes concedessem poder para pregar a sua Palavra. E como resposta foram cheios do Espírito Santo e falavam a Palavra de Deus com toda a liberdade”
Bravo (1958, p. 65), por outro lado, entende que:
“é necessário que um a um, todos da Igreja que ainda não a possuem, sintam essa necessidade e em orações constantes e fervorosas peçam-na a Deus, que a todos dá liberalmente. Deus tem hoje um grande trabalho para a Igreja. Quando estamos cheios do Espírito, Ele nos revela qual o trabalho que temos a fazer no seu Reino. Buscar pois a plenitude do Espírito é hoje uma urgente necessidade, a fim de que a obra não pereça, e os dons sejam revelados na edificação da Igreja de Deus”.
Bravo (1958, p. 66) completa, “mas isto não deve ser a parte dos verdadeiros servos: esperar sem procurar. Pelo contrário, o verdadeiro servo procura se preparar para receber a missão e bem desempenhar o seu trabalho”.
Não obstante, o próprio Bravo admite (1958, p. 69), que “o Espírito é soberano. Age onde, quando e como quer, independente de nosso gosto e muitas vezes contra ele”. Ainda afirma que “é possível que a plenitude possa ser dada a pessoas que não orarem por ela. Pode ser que uma pessoa receba, porém uma igreja inteira nunca receberá a plenitude do Espírito, se ela toda não estiver orando para isso” (1958, p. 70).
Depreende-se, nesta questão, que orar é preciso, não para o fim específico de receber o Espírito Santo como resultado de uma fórmula mágica dominada pelo ser humano e que pode ser ensinada em livros. Orar é preciso pois constitui algo indispensável para o ser humano manter relacionamento com Deus, demonstrando também submissão ao Pai e disposição para estar com Ele. Jesus Cristo nos ensinou a orar, e é preciso seguir o Mestre. Deste modo, o ser humano fica vazio de si mesmo e se enche da presença do Espírito de Deus.
Finalmente, é possível compreender que a plenitude do Espírito Santo pode, de fato, extinguir-se na vida do cristão. Hatcher (1981, p. 121) esclarece que:
“Quando os crentes vivem seguindo os seus desejos carnais e desfrutam dos prazeres mundanos, o Espírito Santo é impedido de tornar suas vidas semelhantes à de Cristo Jesus. (ver Gálatas 5:16). Lembre-se que o Espírito Santo é uma pessoa. Podemos entristecê-Lo, podemos oferecer-Lhe resistência e podemos abafá-Lo. Quando essas condições prevalecem em nossas vidas, o Espírito Santo não pode nos encher”.
Hatcher (1981, p. 121), fundamentando-se no versículo de 1 Tessalonicenses 5:19 esclarece que “extinguir o Espírito é a mesma coisa que apagar as chamas, abafar”. Assim, “o Espírito Santo pode ser extinguido – interrompido ou ignorado – por falta de dedicação e por falta de submissão à vontade de Deus. A indiferença também abafa o Espírito” (1981, p. 122). Enfim, extinguir o Espírito Santo significa que o ser humano abandonou o relacionamento com Deus e procura viver apenas para si, atendendo aos seus próprios desejos e interesses.

CONCLUSÃO

A plenitude do Espírito Santo na vida do cristão constitui tema teológico de grande importância, instigando a prossecução dos estudos e o futuro aprofundamento da pesquisa.
A expressão plenitude do Espírito Santo constitui uma metáfora, que não é utilizada expressamente pela Bíblia. Refere-se à possibilidade e à necessidade dos cristãos serem cheios do Espírito Santo.
No livro de Atos, a Bíblia menciona como os apóstolos, e em especial pessoas como Pedro, Paulo, Estevão e Barnabé, eram pessoas cheias do Espírito Santo. O verbo cheio aparece neste livro bíblico sempre na forma passiva, como plèroò e pimplèmi. Já, o adjetivo plèrès, que significa cheio, refere-se às pessoas e é utilizado nos escritos de Lucas e João. No livro de Atos, a plenitude do Espírito Santo estava relacionada com a obra de Deus na terra.
Qualquer pessoa salva pode ser cheia do Espírito Santo, enquanto nascida do Espírito de Deus. A plenitude do Espírito Santo constitui, para os cristãos, um desejo natural e necessário para seu crescimento espiritual. Entretanto, a plenitude não deve servir para satisfazer interesses pessoais ou para alcançar prestígio através de boas obras. É preciso esvaziar-se de si mesmo, para ser completo pelo agir do Espírito Santo. O propósito do cristão se encher do Espírito Santo é alcançar poder, não para benefício próprio, mas para benefício de todos os seres humanos.
A presença do Espírito Santo na vida do crente produz atos de bondade, de justiça e de verdade. Esta condição tende a se prolongar no tempo, refletindo bons hábitos e a prática da Palavra de Deus pelo cristão. A plenitude do Espírito não resulta de simples experiências momentâneas, físicas e emocionais. Ainda que, segundo a vontade de Deus, a plenitude do Espírito Santo possa ser alcançada instantaneamente, como ocorria na igreja antiga, ela atualmente compreende, na maioria das vezes, um processo de transformação do ser humano. Os seres humanos não são iguais entre si. Portanto, a plenitude do Espírito Santo existe em cada crente, porém na proporção de sua capacidade pessoal. A partir desta condição pessoal, o Espírito conduz o ser humano em um processo de enchimento, até transbordar da plenitude de Deus.
A oração deve ser uma prática habitual do cristão, mas não tem relação direta e necessária com o alcançar da Plenitude do Espírito Santo. O Espírito age quando e como quer. Em oração, o cristão deve-se colocar à disposição de Cristo, mantendo um íntimo relacionamento com Deus. O Espírito Santo encherá a vida do cristão, impulsionando-o a fazer a obra segundo a vontade de Deus.
O cristão que vive sem procurar ser um imitador de Cristo, dedicando-se apenas às vontades do mundo, pode também entristecer o Espírito, assim como extingui-lo em sua vida.
Assim, a plenitude do Espírito Santo se alcança dia a dia, segundo a capacidade pessoal de cada um. O cristão espera que um dia a plenitude do Espírito Santo possa extravasar em sua vida, derramando-se mais e mais como benção sobre a vida do próximo.
De tudo o que se discorreu neste trabalho, pode-se concluir que a plenitude do Espírito Santo na vida do cristão importa em um estado de submissão a Deus e disposição para o Reino de Deus, mediante o esvaziamento de si próprio para ser, ato-contínuo, preenchido pela presença do Espírito de Deus, de modo que esta presença conduza o cristão a cumprir a obra do Pai, assemelhando o seu viver ao de Jesus Cristo, com atos de bondade, justiça e verdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAVO, Zacharias. Mas recebereis o poder... São Paulo: Hinman & Overholt, 1958.
COENEN Lothar & BROWN Colin (orgs.). Dicionário internacional de teologia do novo testamento. Tradução Gordon Chown. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.
HATCHER, John A. Conheça o Espírito Santo. Garça: Imprensa da Fé, 1981.
HEIJKOOP, H. L. O Espírito Santo. 2. ed. Lisboa: Minerva, 1978.
PACHE, René. A pessoa e a obra do Espírito Santo. Leiria: Vida Nova, 1957.

NOTAS

[1] Que não bebia vinho, nem bebida forte, e era cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe Isabel (Lc 1:15).
[2] Conforme Atos 6:5.
[3] De acordo com Lucas 1:1.
Este é um trabalho de pesquisa apresentado em cumprimento às exigências da disciplina de Teologia Sistemática II do Curso de Bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, ministrada pelo Prof. Reginaldo Von Zuben.